Passarinhos viajantes

O amarelecimento e posterior queda das folhas de algumas árvores são sinal de avançado estado outonal. Os freixos e ulmeiros, choupos e salgueiros, algumas outras e amieiros, perdem as suas folhas depois de nós perdermos para terras do Sul, as andorinhas e outros amigos.

Como se as folhas destas árvores fossem lágrimas vertidas pela falta de alegria no voo das andorinhas.

Talvez por isso se vistam com novos amarelos, laranjas e avermelhados a compensar a falta das cores do papa-figos e dos abelharucos que já há algum tempo também se foram embora das menos horas de luz e da menor disponibilidade de alimento. Com eles, também o picanço-barreteiro seguiu lá para sul do grande deserto.

O equinócio de setembro será o maestro do Outono que interpreta muitas substituições no jogo da luta pela vida.

O rouxinol e a alvéola-amarela que por cá criaram e encantaram na primavera/verão, descem junto com as andorinhas. Vindos mais lá do Norte, o lugre e o pisco-de-peito-azul fogem aos frios e acabam a ocupar a casa vazia deixada pelos anteriores ocupantes.

O Outono determina portanto a chegada dos passarinhos que por aqui passam os meses mais frios vindos do Norte, e a partida para Sul dos que aqui passaram os meses mais quentes e durante os quais engendraram e ensinaram novas proles.

Outros há que por aqui descansam de mais longas viagens. Vêm de maiores latitudes diretamente para a África subsariana aqui descansando e deixando-se, por isso, observar. Um a dois meses a contar do equinócio, aí estão mais dia menos semana, entre vários outros: a felosa-musical; a toutinegra-das-figueiras, o papa-amoras, o chasco-cinzento, o cartaxo-nortenho, os papa-moscas, …

Partiram: abelharuco, andorinha-dos-beirais e andorinha-dáurica, papa-figos, picanço-barreteiro.

Chegam: estrelinha-real, lugre, pisco-de-peito-azul, felosinha.

Estão de passagem: felosa-musical, papa-amoras, papa-moscas, toutinegra-das-figueiras.

…para aves cujo peso pode variar entre os 11 e os 20 gramas, são distâncias impressionantes. Imagine-se um passarinho (o papa-moscas-cinzento) com 18 gramas e um máximo de 25 centímetros de envergadura, viajar da Noruega à África do Sul e voltar ao fim de seis meses…!!! Ou mesmo uma Estrelinha-real com apenas 9 gramas de peso, chegar à nossa serra vinda da Polónia!!?

O que estes milhares de pares de pequenos olhos miraram entre cada ida e cada vinda ou entre a passagem para Norte e a passagem para Sul será mais que enciclopédico! Desde os céus que cobrem metrópoles imensas, aos que ‘ardem’ sobre as areias imensas e escaldantes, aos quase arranhados pelas vastas e várias cordilheiras montanhosas, aos que acolhem a humidade do vasto manto verde da floresta equatorial…

O que terá passado aquele pisco instalado por hora ali no caminho para o Barril? De quantos predadores escapou o papa-amoras que me surpreendeu no meio dos mais tranquilos arbustos dos Moinhos da Rocha? A toutinegra-das-figueiras que ‘conheci’ há um mês na Pegada, terá já chegado ao destino?

Freixo ou choupo, chasco ou papa-figos, todos preparam no Outono a melhor estratégia. A alfarrobeira, entretanto, prepara já a descendência. Os restante também, embora possa não parecer.

felosinhas

Uma felosa é um passarinho pequenino que se alimenta de insectos pequenitos. É mesmo pequenino, não mede mais de 12 cm de comprimento e não pesa mais de 8 gramas (um pardal-de-telhado pesa à volta de uns espantosos 30 gramas!!!).

Ribeira do Almargem

Algumas passam cá o ano todo mas a maior parte vem cá passar o Inverno deslocando a sua fragilidade para longe de maiores rigores invernosos. Se ficassem cá em maior número, o meu hibisco passaria um Verão mais agradável e tranquilo sem o sofrimento causado pelos costumeiros ataques de cochonilhas que tanto gostam dele.

Hibisco do pátio

O hibisco adora as felosinhas que adoram as cochonilhas que adoram o hibisco. Isto até parece um triângulo amoroso particular mas não é, porque cada qual gosta de um diferente do outro. Já eu, adoro o hibisco e as felosas e só aprecio as cochonilhas enquanto estão controladas por estas.

Entre Novembro e Março encontram-se facilmente por todo o lado de Tavira a Melgaço, entre a vegetação do sapal à serra, nos jardins públicos e privados por muito pequenos que sejam.

Acredito que a maior parte das pessoas não conhece nenhuma felosa mas também não vislumbro grandes razões que justifiquem esse conhecimento… afinal trata-se apenas de um passarinho que parece não gostar de dar nas vistas… muito próximo do oposto ao pavão!

Serra de Tavira
Sapal/Salinas de Tavira
Ribeira do Almargem
Ribeira do Almargem

Não são exuberantes nem chamam a atenção por nenhuma razão especial; têm uma vida muito simples apesar das duas grandes viagens anuais; em locais recatados gostam de brincar em pequenas acrobacias junto à água; os 5 a 7 ovinhos que põem nos ninhos que constroem lá nas terras do Norte não passam do centímetro e meio; saltitam e esvoaçam de ramo em raminho com reserva e precaução. Enfim,  um passarinho cujo maior atractivo é conseguir passar despercebido mesmo que estejamos perto dele.

Contudo, transmite-me centelhas de energia carregadas de serena alegria.

Obrigado felosinhas!

são pássaros

Dizem que mais de metade (apx.60%) das espécies de aves de todo o mundo, pertence a este grupo. Também dizem que é o grupo mais moderno apesar dos seus 50 milhões de anos, mais coisa menos picos… Dizem ainda que as aves canoras pertencem à ordem dos passeriformes, e que por aqui em terras e ares de Tavira e do resto da Europa todos os pássaros são canoros.

Cecropis (Hirundo) daurica (Andorinha-dáurica)
Anthus pratensis (Petinha-dos-prados)
Phoenicurus phoenicurus (Rabirruivo-de-testa-branca)

Todos possuem um particular arranjo muscular nas suas siringes, de tal forma feliz que delas saem melodias que encantam e alimentam a alma.

Os mais privilegiados de entre nós, conhecem o(s) canto(s) de cada uma das espécies e por isso, antes de (ou mesmo sem) os ver, já sabem qual o pisco ou chasco ou chapim que por ali se esconde na vegetação.

Têm quase todos uma relação cúmplice dependente e afectiva com as plantas, esses magníficos seres verdes que nos sopram a vida e ela nos mantêm ligados.

Da carriça mais pequenina à maior pega, todos têm umas patas particularmente bem adaptadas ao hábito de se empoleirarem, com 3 dedos em direcção frontal e um quarto sempre em direcção oposta.

Saxicola torquatus (rubicola) (Cartaxo-comum)
Parus major (Chapim-real)
Oenanthe hispanica (Chasco-ruivo)
Galerida cristata (Cotovia-de-poupa)
Luscinia svecica (Pisco-de-peito-azul)
Erithacus rubecula (Pisco-de-peito-ruivo)

A forma variada dos seus bicos dá-nos uma ideia da sua dieta alimentar. Desde o bico fino e comprido apto para seleccionar o pequeno afídeo no caule de uma qualquer madressilva, ao mais adunco do picanço que se alimenta de animais bem maiores que as cochonilhas, ao mais curto e cónico do verdilhão capaz de partir o tegumento de uma semente de girassol, ou aos bicos ‘multifunções’ do gaio ou das pegas, há-os para todos os gostos.

Podemos vê-los desde as dunas e sapal até lá longe nas montanhas, porque ocupam habitats muito variados … e nisso somos ricos também.

Chloris (Carduelis) chloris (Verdilhão)
Sylvia melanocephala (Toutinegra-dos-valados)
Cisticola juncidis (Fuinha-dos-juncos)
Carduelis cardulelis (Pintassilgo)

Parte deles são migradores de Verão e vêm até nós para se reproduzirem, podendo a sua prole afirmar com brio, lá nas Áfricas para onde voltarão ciclicamente, que nasceram em Estragamantens, na Malhada do Judeu ou na Senhora da Saúde. As andorinhas marcam as proximidades do Equinócio da Primavera quando os dias já são maiorzinhos e os nossos sorrisos se vão alargando como os dias também.

Sentar numa pedra e encher os pulmões do ar fresco da manhã, e a alma com os trinados do rouxinol… assistir aos banquetes de medronho servido aos pintassilgos por entre cachos de flores brancas… e às deambulações da trepadeira-azul nos ramos de uma velha azinheira… sentirmo-nos espiados pelo pisco atento…

Phylloscopus collybita (Felosa-comum)
Oriolus oriolus (Papa-figos)
Passer domesticus (Pardal-comum ; Pardal-de-telhado)
Cyanopica cyanus (cooki) (Pega-azul ; Charneco)

Vale a pena.

Maçã de Cartago

João de Carvalho e Vasconcellos foi professor catedrático no Instituto Superior de Agronomia no século passado. Por dois anos não viu o 25 de Abril e por quatro não o conheci pessoalmente.

Na edição de 1955 do seu “Noções sobre a Morfologia Externa das Plantas Superiores”, que religiosamente repousa na minha estante botânica, pode ler-se que a romã é uma balaústia: “…um fruto de pericarpo seco, coriáceo, resultante dum ovário ínfero e coroado pelo limbo do cálice acrescente; tem vários lóculos dispostos em dois ou mais andares, que abrigam numerosas sementes, em que a testa, parte externa do tegumento, é sucosa. Constitui pois um fruto seco com as sementes de testa carnuda.”

Mais recentemente, em 2018, Carlos Aguiar no seu “Manual de Botânica”, diz-nos que a romã é quanto à sua origem um pseudofruto (= fruto complexo ou falso fruto) “proveniente de uma só flor de gineceu ínfero que incorporam tecidos do hipanto…”. Diz que tem “pericarpo coriáceo, interior dividido em cavidades por lamelas delgadas e repleto de sementes de episperma carnudo…”

Coisas que quase quase ninguém se lembra quando vê ou abre uma ‘maçã de Cartago’ como lhe chamavam os romanos do império lá de trás no tempo… pois não as haveria na Península Itálica até as trazerem do Norte de África, ou ter sido o próprio Anibal a trazê-las nos alforges dos elefantes…

Antes dos romanos, no Mediterrâneo oriental e no médio oriente já era ‘venerada’ e consumida, cheia de significados vários, sendo a fertilidade o dominante.

Dizem os velhos do colégio da Sabedoria que a primeira romãzeira nasceu do sangue de Dioniso após algumas confusões entre Deuses, neste caso um adultério de Zeus que enfureceu sua mulher Hera. Por ordem desta, os Titãs desfizeram o fruto desse amor ‘ofensivo’ em pedacinhos… Por sorte, a mãe de Zeus, por via disso avó da vítima, conseguiu juntar esses pedacinhos, reconstruindo Dioniso que assim nos pôde guiar entre outros cenários, nos ciclos vitais, nas festas, e nos segredos do Vinho!!

A romã é símbolo de amor e fecundidade para os Gregos (eles é que descobriram o Olimpo e nos falaram disso!) e por isso a romãzeira foi consagrada a Afrodite.

Por terem feito parte do ‘espólio testemunhal’ da fertilidade da Terra Prometida dos Judeus, e sabe-se lá por que outros motivos esotéricos, Salomão mandou esculpir no alto das colunas do seu Templo, estes fantásticos frutos…

…que continuam a simbolizar o sangue vital, a fertilidade, o nascimento, a vida eterna, a diversidade na unidade, as múltiplas graças dos deuses, a união de muitos numa só vontade,…

O que é certo é a colheita das romãs se fazer no Outono que antecede o Inverno. Esse Inverno necessário à preparação do sucesso primaveril. Esse mesmo Inverno que surgiu a partir do momento em que Perséfone comeu alguns bagos de romã lá no mundo de Hares!

E assim, de alimento do mundo dos mortos a emblema solar representativo da fertilidade, se nos revela a romã.

Obrigado irmã!

polinizar

As deusas não se esqueceram de salpicar de cor os montes, as portelas e os vales, num trabalho de produção florística só possível com o auxílio de um exército de especiais ninfas e duendes, extraordinários seres que se deixam ver aos nossos olhos na forma de insectos mais ou menos alados. Sem eles não seria possível cheirar uma flor porque ela não estaria lá…

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São ervas

Lembro-me de lhes ouvir chamar ervas, grama, pasto, capim, … um pouco num tom depreciativo de quem não as consegue distinguir umas das outras.

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No entanto, são uma das mais importantes, antigas e aristocráticas famílias de plantas: alimentam muito mais de meio mundo, do mais humilde ao de mais elevado grau nobiliárquico, e do mais tímido ao de maior estatuto oligárquico.

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Patos

Um bom dicionário é absolutamente imprescindível. Em papel. Grande e pesado. Com muitas palavras confere confiança a alguns de nós. Crescemos a acreditar nele. Por isso, quando diz que Pato é o “nome comum extensivo a várias aves palmípedes da família dos Anatídeos, de bico largo, pernas curtas e com membranas natatórias; indivíduo tolo ou ingénuo;…”, eu acredito.

Os primeiros Patos de que fala o dicionário, pertencem a uma família considerável e considerada, que engloba também cisnes, gansos e mergansos. Por razões de morfologia, ecologia, comportamento e outras, agrupam-se em quatro categorias: Patos de Superfície, Patos Mergulhadores, Patos Marinhos e Patos-Gansos.

Dos dois últimos e dos tolos e ingénuos,  abstemo-nos por ora.

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Frisada e descendentes nas cercanias do Forte do Rato.

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