O Outono conforme Carlos Drumond de Andrade postado no facebook por uma amiga, “é mais uma estação de alma do que de natureza”.
Algumas plantas ‘pensarão’ da mesma maneira, ou antes pelo contrário . Para essas inicia-se festivamente um novo ciclo. A sua alma não está ensimesmada e abre-se à vista de todos os que a queiram ver.
Não quiseram celebrar com a maioria das outras e mostram-se agora na altura que acham mais certa.
Calamintha nepeta subsp. nepeta nêveda S. Domingos
A nêveda não se escapará a ser apanhada em quantidade porque é companhia obrigatória às azeitonas que agora se curam. Quem gosta dela e do seu aroma com toques de menta amarga, sabe onde a encontrar. Espalha-se por todo o País e portanto também por aqui, desde a Fonte Férrea do Cachopo à Ponte de S. Domingos na Asseca, passando pela Quinta dos Gaios.
Mais ubíquas e exibicionistas, as táguedas aparecem por todo o lado com o seu amarelo viçoso e repetitivo porque também floriram na primavera…
Dittrichia viscosa subsp. revoluta tágueda Eiras Altas
Em viço amarelo, por estes tempos, ganham os ranúnculos-bolhados. Dos vários ranúnculos só este floresce agora. Pequenito, de folhas encostadas ao solo, rasteirinhas mas lustrosas, nunca vi nenhum que em altura se aproximasse dum palmo normal.
Ranunculos bullatus
montã-do-outono, borboleta-bolhada, ranúnculo-bolhado
S.Domingos
Mais pequenina ainda, só mesmo a cila-de-outono que só se deixa ver por quem procura pequenas notas de violeta junto ao chão.
Scilla autumnalis
cila-de-outono
Perímetro Florestal da Conceição de Tavira
Narcisos também os há! Também rasteirinhos, com um ar delicado como que pedindo ajuda. Mas não! Nós é que não percebemos essas linguagens das flores e das árvores e dos bichos, que contêm uma força e capacidade de sobrevivência que não imaginamos…
Narcissus serotinus
narciso-da-tarde, narciso-bravo
Perímetro Florestal da Conceição de Tavira
As flores são na sua maioria hermafroditas mas associamo-las facilmente e com razão à feminilidade e à fecundidade. Sabemos bem da força que a delicadeza e suavidade femininas comportam. Se por um lado e por isso, a forma como uma flor irrompe dum solo inerte e áspero não deveria surpreender, por outro não é possível ficar indiferente e as surpresas são renovadas.
A quitamerendas é uma dessas flores que brota directamente dos pedaços de grauvaque e se mantém no solo mirando para o alto como só lhe resta.
Merendera filifolia
quitamerendas
Ribeira da Gafa
O Leucojum, cujo único nome vulgar que conheço é o que lhe dei – branquinha do outono -, não é das que olham para cima. Esta deve ter uma personalidade mais altiva e por isso, embora seja de baixa estatura, olha de cima para o chão, onde temos que ir se queremos ver a sua flor…
Leucojum autumnale
Perímetro Florestal da Conceição de Tavira
O Homem dos Contos da Montanha e dos Bichos, de seu nome Adolfo Correia da Rocha, não escolheu à toa o seu pseudónimo não. A força e o garbo da rusticidade bravia bem podem estar representadas pela torga sim senhor! Por cá é fácil encontrá-la principalmente nas vertentes norte das zonas mais húmidas do concelho.
Calluna vulgaris
torga
Água de Tábuas
E não sei, se o apelido Medronho que também há pelos nossos Algarves, não será também uma homenagem a essa força da natureza que é o Medronheiro. Ex-libris da rudeza dos nossos montes, corporização maternal dos eflúvios etílicos apaziguadores, que brotam das retortas dos alquimistas que não viram costas à tradição e aos saberes herdados de tantos.
Arbutus unedo medronheiro Feiteira
O Inverno também se enfeita com a floração de algumas espécies simpáticas e mais dadas às frescuras. Uma delas é o ‘cachimbo’ nome por que é conhecida desde que se lembra pela minha amiga e poeta Maria Rita. É o anúncio da aproximação do solstício, dos preparativos natalícios e logo a seguir a mudança para um ano que se quer sempre melhor e durante o qual se espera testemunhar todas as etapas do ciclo de tantas vidas . Vêm aí tapetes que envolvem os pés das alfarrobeiras, prenhes de pequenos sentinelas brancos e arroxeados como que a dizer que estaremos sempre em boa companhia.
Assim seja.
Arisarum simorrhinum
cachimbos, candeias, capuz-de-frade
Poço do Vale